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Teoria e prática penal marcam primeira mesa de debate



Com o tema ‘Teorias e Práticas da Política Penal: delimitando o campo', intersecções e conflitos entre teoria e prática na formulação e gestão da política penal deram o tom da primeira mesa de debate do I Seminário Internacional de Gestão de Políticas Penais, realizado na Universidade de Brasília entre 19 e 20 de setembro. O tratamento da política penal dentro do campo de política pública, e não mais restrita aos limites do Direito, é uma das prioridades de atuação do LabGEPEN.


Confira aqui a íntegra da Mesa 1: https://www.youtube.com/watch?v=ByYYZ-hVwLk&t=1429s


Primeiro a falar, o professor Sebastian Rey, da Universidade de Buenos Aires, abordou o distanciamento entre o que é ensinado nos cursos de Direito e a realidade. “Que momentos difíceis estamos vivendo na Argentina e Brasil. Dou aula em três universidades, e o que se está ensinando não é o que se aplica na prática nos tribunais”, disse. Para Rey, omissões das universidades estão afetando a imparcialidade dos juízes, que vem condenando pessoas sem a certeza de que são culpadas.


"Parece que criamos um mundo ao contrario, como se o que se vê na universidade fosse uma ficção que não se aplica nas ruas”.

O professor destacou a necessidade do tratamento de políticas penais como políticas públicas, a dificuldade de lidar com sistemas penitenciários descentralizados e a necessidade de se vincular o direito penal ao direito internacional em direitos humanos para que normas internas não violem obrigações internacionais e para que juízes responsabilizem o Estado em casos de violações. “Estamos em um momento muito complicado em que não se cumprem sentenças de tribunais internacionais, em que os mecanismos nacionais e internacionais não têm sido respeitados. Estamos em uma situação, que respeitadas algumas diferenças, só vivemos em época de ditaduras”.


Para Rey, os cursos de Direito estão pecando ao não oferecer cursos de criminologia, execução de penas, segurança cidadã ou mesmo de execução de políticas públicas. “Criminologia é quase uma palavra má, não há reflexão, só um overview teórico, mas falta muita pratica”. Para ele, essa falha prejudica a operação do Direito em temas críticos como a prisão domiciliar (que acaba sendo usada para favorecer determinados grupos), a prisão preventiva e o uso de mecanismos alternativos para solução de conflitos.


Rey ainda criticou o papel dos meios de comunicação no incentivo ao populismo penal contra institutos como a progressão de pena. “Os meios de comunicação alimentam o discurso de ódio e de insegurança na população. São os mais difundidos no noticiário, inclusive acima de crise econômica. Quarenta e quatro por cento das noticias na Argentina não são vinculadas a nenhuma fonte, e os meios de comunicação não refletem a realidade. Eles simulam a realidade, realizam uma forma de controle social”, apontou.


Delimitando a política penal


Ex-superintendente da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (SP) e doutorando em sociologia pela UFscar, Felipe Athayde propôs a delimitação da política penal para além dos campos da segurança pública e da justiça criminal. “A resposta para o crime é tipicamente vista como encarceramento – as pessoas entendem que, sem prisão, não há reposta efetiva do Estado. O que estamos trazendo como discussão é compreender que há uma perspectiva que vai para além da prisão”.


“Política penal é uma política pública que se dedica a pensar construir e gerir serviços que dão conta da responsabilização penal, dadas as características da situação e dos envolvidos”.

Ele destacou a necessidade de se pensar em estruturas nacionais que não se baseiem apenas na expansão do controle e que abordem as penas privativas de liberdade em diferentes regimes, as alternativas penais e a monitoração eletrônica. Defendeu, ainda, uma política penal que considere a atenção à pessoa egressa, além de instâncias de controle externo, correição e formação profissional.


Embora a Lei de Execução Penal considere o preso como sujeito de direito, Athayde lembrou que na prática, o direito passou a ser subsumido pelas práticas da segurança. “A construção do direito foi ressignificada no direito prisional para garantir um principio considerado de segurança. Todo o funcionamento da maquina prisional deixa em segundo plano o direito”. Ele destacou que a ideia comum de que a redução de fluxos e movimentações aumentam a segurança das unidade prisionais tem se mostrado equivocada, levando ao surgimento de facções como o PCC, que ocuparam esse espaço e operam por meio de uma autogestão perversa.


Ele ainda criticou a falta de um modelo de gestão nacional e a ‘burocracia penitenciarista’ que impede a universalidade de acesso ao direito, como ocorre nos casos em que a remissão de pena pela leitura depende da criação de comissões de avaliação pelo Judiciário. “Essa burocracia não é baseada no modelo weberiano, mas faz com que praticas sejam naturalizadas e se acredita que não há outro caminho senão vigilância e controle”.


Entre a série de medidas propostas pelo LabGEPEN para superar esse quadro, citou a redefinição de um pacto federativo que amplie o papel da União, mais clareza de critérios para captação e execução orçamentária, recomposição e redefinição do CNPCP e demais conselhos e a definição de uma politica nacional de serviços penais que siga parâmetros internacionais com ênfase em direitos humanos.


Alternativas penais


Coordenadora Geral da Central de Penas e Medidas Alternativas da Bahia, Andréa Mércia de Araújo lembrou que a ruptura com o modelo de controle total mencionado na apresentação anterior também deve ser pensada para as alternativas penais. Ela destacou a necessidade de se considerar a realidade histórica do país, principalmente sob o viés do racismo institucionalizado derivado de um passado escravagista.


“A violência é perpetrada pelo Estado e pela sociedade civil: as pessoas têm o desejo de que as pessoas morram, e o sistema penitenciário é uma maquina de moer gente. Ainda vivemos em uma sociedade com prevalência de imposição de castigo".

Ela criticou o papel das mídias hegemônicas na construção do pensamento social que apoia a militarização de ideias e de estruturas, assim como na massificação de conceitos equivocados como “a polícia prende e justiça solta”. Criticou ainda, um sistema que favorece a mercantilização do cumprimento da pena por meio de um ‘complexo industrial penal’.


Citando dados da Bahia, que tem um dos índices mais baixos de pessoas privadas de liberdade (cerca de 15 mil), afirmou que a agenda de desencarceramento funciona. “Causamos impacto nesse numero, mas pode ser mais”. Andréa lembrou que o custo para manter um preso (R$ 3,4 mil) é bem maior que o custo para o cumprimento de alternativa penal, cerca de R$ 39 por preso. “Há uma discrepância não só do valor, mas no impacto da alternativa penal na vida da pessoa. Por que será que mesmo sabendo que existe uma política estruturada, que dá resultados sociais e financeiros para o Estado, tem um numero baixo em relação ao que deveria ser? Porque não tem complexo industrial em torno das alternativas penais”, afirmou, criticando ainda o risco da privatização na área penal.


Ainda segundo ela, entusiastas do desencarceramento como política pública precisam encontrar janelas de oportunidade para o avanço da pauta no campo político ainda que este seja um movimento contra hegemônico. Também destacou a necessidade de se entender as implicações causadas pela disputa entre poderes, promovendo alianças institucionais e soma de saberes no campo teórico e técnico. “O grande desafio é provar que alternativa penal vem para somar”.


A apresentação foi encerrada com o áudio emocionante de uma mulher negra da periferia de Salvador cujo filho sofreu violência policial pelo tipo de cabelo que usava (ouça no vídeo: 1h18’50”). “Há muitos anos viemos sofrendo abusos policiais. Somos negros. Precisamos de respeito, moradia digna, segurança, que nós não temos. O nosso dinheiro que pagamos para segurança pública, são usados contra nos mesmos”, disse Rose.


Perguntas e respostas


Confira a sessão de perguntas e respostas (no vídeo, a partir de 1h25’), com questões sobre o papel da Procuración Penitenciária de la Naciónna Argentina, o papel da sociedade civil na responsabilização de atores políticos, como trabalhar o tema do racismo em alternativas penais, o papel da justiça restaurativa como modelo de gestão penal, o papel dos CRAS no trabalho com egressos, e como combater a política do encarceramento em massa.

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